Sociologia material para o ensino médio: Ciberespaço, Cibercultura e Ciberdemocracia
Pierre Lévy é um filósofo de nacionalidade francesa, nascido
na Tunísia, e é um dos principais pensadores a tratar dos impactos das
tecnologias digitais sobre a sociedade. Esta aula tem como objetivo apresentar
os principais conceitos abordados por ele.
O Virtual
A relação do homem com a
tecnologia fez surgir novos espaços de ação cultural e social. Espaços que não
existem fisicamente, mas que se concretizam na memória do computador, de
modo virtual.
Esse tema é amplamente
estudado pelo filósofo Pierre Lévy. Seus estudos começam, em um livro
chamado O que é Virtual, com a definição formal do que é uma coisa virtual.
Tendemos a pensar o virtual como o contrário de real,
como se coisas reais existissem e coisas virtuais não existissem. Porém, a
definição do autor deixa claro que essa não é uma abordagem correta:
O
virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível,
estático e já constituído, o virtual é como o nó de tendências e forças que
acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer.
(LEVY, 1999)
As coisas que acontecem no modo virtual, intermediadas
pela tecnologia do computador, são, também, reais. Elas existem de fato e nos
afetam concretamente. Elas apenas não estão aqui, no mundo presente, existindo
apenas virtualmente.
O Ciberespaço
O virtual acontece, portanto, em outro lugar, diferente
do lugar atual e presente no qual estamos fisicamente.
Esse lugar virtual é chamado de ciberespaço, que Lévy
(1999b, p. 92) define “como o espaço da comunicação aberto pela interconexão
mundial dos computadores e das memórias dos computadores”.
Nesse espaço virtual não se aplicam os limites físicos
aos quais estamos sujeitos no mundo concreto e presente.
O
ciberespaço é concebido como um espaço transnacional onde o corpo é suspenso
pela abolição do espaço e pelas personas que entram em jogo nos mais diversos
meios de sociabilização [...] Assim sendo, o ciberespaço é um não-lugar, uma
utopia onde devemos repensar a significação sensorial de nossa civilização
baseada em informações digitais, coletivas e imediatas. Ele é um espaço
imaginário, um enorme hipertexto planetário (LEMOS, 2008, p.128).
A Cibercultura
Seguindo esse raciocínio,
em um livro chamado Cibercultura, Pierre Lévy vislumbra que, devido a essa diferença de
limites, a vivência e a experiência humana nesse novo espaço são diferentes da
daquela que temos no mundo presente, o que acaba por gerar novos modos de
conduta e de interação social, que só são possíveis no ciberespaço.
A esse novo modo como nos organizamos e agimos no
ciberespaço o autor chama de Cibercultura.
O autor ainda aponta três características que seriam
essenciais à cibercultura: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e
a inteligência coletiva.
O autor diz que a
cibercultura pode ser compreendida como “a presença (virtual) da humanidade em
si mesma” e, por isso, as interconexão são
parte fundamental desse processo. “Para a cibercultura, a conexão é sempre
preferível ao isolamento” (LÉVY, 1999b, p.127).
As interconexões revelam
afinidades e aproximam as pessoas, que acabam por afirmar essas afinidades
com formação de comunidades virtuais.
Uma
comunidade virtual é construída sobre as afinidades de interesses, de
conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca,
tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações
institucionais. (LÉVY, 1999b, p.127)
Por fim, a
experiência das comunidades virtuais aperfeiçoa os saberes e acelera o
aprendizado de seus membros, atingindo-se, assim, a inteligência coletiva, que “seria sua perspectiva
espiritual, sua finalidade última” (LÉVY, 1999b, p.131).
Todos
reconhecem que o melhor uso que podemos fazer do ciberespaço é colocar em
sinergia os saberes, as imaginações, as energias espirituais daqueles que estão
conectados a ele. (LEVY, 1999b, p. 131)
A inteligência coletiva
Caracteriza-se pela nova
forma de pensamento sustentável através de conexões sociais que se tornam
viáveis pela utilização das redes abertas de computação da internet.
As tecnologias da
inteligência são representadas especialmente pelas linguagens, os sistemas de
signos, recursos lógicos e pelos instrumentos dos quais nos servimos. Todo
nosso funcionamento intelectual é induzido por essas representações. Segundo o
filósofo e sociólogo criador do conceito de inteligência coletiva Pierre Lévy,
os seres humanos são incapazes de pensar só e sem o auxílio de qualquer
ferramenta.
A inteligência coletiva seria uma forma de o homem
pensar e compartir seus conhecimentos com outras pessoas, utilizando recursos
mecânicos como, por exemplo, a internet. Nela os próprios usuários é que geram
o conteúdo através da interatividade com o website.
Ciberdemocracia
Aprofundando-se nas reflexões sobre o ciberespaço e a cibercultura,
Pierre Lévy e André Lemos (2010) passaram a abordar uma possível consequência
política desta dinâmica cibersocial. Segundo esses pensadores, a liberdade e o
rompimento de fronteiras típicas desta nova realidade proporcionaria o
desenvolvimento de uma nova consciência política, denominada ciberdemocracia.
Uma das principais evidências das inevitáveis mudanças no campo político está
na libertação da humanidade de suas tradicionais forças controladoras.
Mais comunicação implicará mais liberdade, entendida aqui
como a possibilidade, sem controle estatal ou policial, de produzir, consumir e
distribuir informação. No século que se anuncia não é unicamente o ciberespaço
que vai crescer, mas a ciberdemocracia. (LEMOS; LÉVY, 2010, p.44)
A
concretização desta libertação pode ser observada a partir de três evidências.
A primeira é a “liberação do pólo da emissão”,
ou seja, o ciberespaço oferece cada vez mais oportunidades para a liberdade de
expressão e opinião, criando novos formatos e novas ferramentas de comunicação
que colocam em cheque os modelos em que as mensagens advêm de poucos emissores
poderosos para atingir a grande massa de ouvintes passivos. A segunda evidência
é uma perspectiva de conectividade generalizada,
sendo que cada vez um maior número de máquinas e também um maior número de
pessoas passam a se servir dos benefícios da interconexão e das liberdades do
ciberespaço. Por fim, uma terceira evidência está visível na reconfiguração dos meios de comunicação, que
passam a buscar maneiras e incorporar mecanismos que os insiram no ciberespaço.
Mesmo os meios de comunicação de massa tradicionais como jornal, rádio e
televisão, já adotam em alguma proporção soluções de interatividade que deixem
mais próximos da cibercultura.
A ciberdemocracia seria a consequência política imediata
destas três condições (liberação do pólo emissor, conectividade generalizada e
reconfiguração dos meios de comunicação). Seria a culminação dos impactos da
cibernética na humanidade. Há uma espécie de cronologia ligando os conceitos de
Cibernética, ciberespaço e ciberdemocracia. O estágio da ciberdemocracia seria
aquele em que as funções do Estado e da Lei, assim como a promoção da
democracia, incorporam as implicações da cibercultura e são absorvidos pelo
ciberespaço.
Não queremos dizer que cada nova denominação de uma mídia
ou um conjunto de mídias determine automaticamente o regime político
correspondente, mas que certas mudanças políticas só se tornam possíveis – e
mesmo pensadas – por meio das mídias apropriadas. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 60)
Diante de tamanha liberdade de expressão, é consequente
que os usuários aproveitem as ferramentas de conversação disponíveis no
ciberespaço para se agruparem de alguma maneira, gerando uma inteligência sem
fronteira, sem controle unilateral, polissêmica e abrangente, que seria capaz,
inclusive, de fomentar uma estrutura estatal planetária, diferente de qualquer
modelo de Estado existente, encarregada da governança dos aspectos mais
universais da humanidade.
Não se trata, porém, de abrir mão do Estado em benefício
de uma democracia anárquica universalizada. Também não se trata da abolição de
toda Lei para a livre governança da inteligência coletiva. “A Lei grava todas
as evoluções positivas da sociedade (...) e as torna irreversíveis. Devemos
conservar o Estado já que ele garante a lei...” (LEMOS; LÉVY, 2010, p.181).
Contudo a ciberdemocracia pressupões que a ideia de
Estado esteja descolada da ideia de território, principalmente no que se refere
a seus aspectos mais culturais e antropológicos. O ciberespaço reposiciona o
sentimento de pertencimento do homem, que antes se direcionava para o
território geográfico, para um território semântico onde a cultura desempenha
papel central. O pertencimento se dará por uma escolha racional de um espaço
semântico de afinidades e não pelo acaso do nascimento em um determinado
território.
Referências
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na
cultura contemporânea. 4.ed. Porto Alegre: Sulina, 2008.
LEVY, Pierre. O que é Virtual. São Paulo: Editora 34,
1999.
LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999b.
LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O Futuro da Internet: Em
direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus. 2010.
Atividade
1. O
que é o virtual, segundo o Pierre Levy?
2. O
que é o ciberespaço?
3. O
que é a cibercultura?
4. O
que é a ciberdemocracia?
5. O
que é a inteligência coletiva, segundo o Pierre Levy?
Proposta
sociológica de Redação.
Em sua opinião, você
acredita que a ciberdemocracia, pode substitui a democracia nos moldes atuais
no sentido da participação presencial? Comente?
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