Sociologia material para o ensino médio: Segregação racial e o Apartheid
A segregação racial é um
processo de discriminação entre pessoas pelas suas características étnicas
serem entendidas como raças e que leva a um afastamento social dos grupos
sociais. A segregação racial pode ter diferentes justificativas, mas está
sempre permeada de algum tipo de discriminação e tem consequências para além da
raça, impactando grupos sociais e indivíduos econômica e politicamente, e
também em fatores psicológicos, educacionais e de acessibilidades. A discriminação
racial e a segregação racial leva a diferentes formas de desigualdade social e
tipos de opressão social.
No
estudo das relações raciais, sociólogos distinguem entre segregação e
isolamento. A segregação ocorre quando em áreas que dependem de serviços
sociais comuns, tais como cidades, pequenas ou grandes, e regiões escolares.
Uma área desse tipo é segregada se os membros dos diferentes grupos deixam de
estar representados proporcionalmente em vários setores da vida social. Se a
população de uma região escolar é 10% negra, por exemplo, cada escola deveria
ter aproximadamente 10% de estudantes negros, a fim de ser considerada
plenamente integrada. Se algumas escolas excluem alunos negros, contudo, e uma
ou duas contam com maioria de negros, elas são segregadas. (JOHNSON, 1997, p.
203).
A ideia de raça que baseia a segregação racial tem
diferentes origens. Porém, os exemplos mais conhecidos são a segregação dos
Estados Unidos, começada no século XIX, com as leis de Jim Crow, e na África
do Sul, com o regime do Apartheid. Ambos
se relacionam ao conceito de raça e a discriminação feita aos negros a partir
de uma população branca, que impuseram diferentes restrições sociais e civis às
pessoas negras o que fragilizou o seu acesso à cidadania, trazendo
consequências ainda hoje.
A ideia de raças humanas é condenada atualmente pela
biologia, porém vigorou por muito tempo na humanidade. O seu aspecto
científico, porém, só aparece a partir do século XVIII e XIX, com a ascensão do
discurso cientifico como categoria de explicação da realidade, utilizando a
antropologia, antropometria, medicina e biologia para justificar as diferenças
humanas, não apenas biológicas, mas morais e comportamentais. E, usando essas
diferenças, hierarquizar as “raças”. Nesta hierarquização, a dominação branca
realizada pela Europa sempre se colocava como superior.
Este
conceito materialista se desenvolve no século XIX, tanto com a teoria da
hereditariedade dos biólogos raciais, como com a livre interpretação do
pensamento de Darwin: a seleção natural,
que permite a sobrevivência a quem se adapta ao ambiente, se transforma em
sobrevivência da raça favorecida por fatores hereditários. Estas teorias
científicas dão origem a práticas que depois serão utilizadas pela política
racista: a eugenia (ou
higiene racial) que há de servir para combater a degeneração racial e para
melhorar a qualidade da raça, para a tornar mais pura. No Racismo, o perigo da
mistura das raças torna-se uma obsessão. (BOBBIO, 2016, p1060-1061)
A segregação racial, assim, é diferente das ideias de
branqueamento que vigoraram no Brasil – mas não apenas – no século XIX e início
do XX. Ambas se baseiam na ideia de que a coexistência de grupos étnico-raciais
diferentes no mesmo local e a presença de etnias não-brancas são nocivos ao
desenvolvimento da nação. A presença de negros no Brasil, Estados Unidos ou
África do Sul, a partir do determinismo biológico e darwinismo social,
seria motivo de preocupação e impedimento de progresso. De forma que as
minorias brancas adotaram as práticas ou de segregação ou de branqueamento. O
branqueamento é a prática de proporcionar casamentos com pessoas de linhagem
branca para “apagar” os “problemas” ocasionados pelas demais etnias,
consideradas inferiores. A segregação é o exato oposto. É a proibição de
convivência das diferentes etnias, seja em ambientes públicos, ou nos próprios
casamentos e relações pessoais. A segregação racial acredita que as “mazelas”
ocasionadas pelas etnias não brancas não podem ser apagadas com os casamentos,
devem ser separadas. O que ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul foi
que a minoria branca dominava os ambientes acadêmicos e políticos, e os negros
eram impedidos de frequentar locais públicos determinados, ocupar espaços em
transportes públicos, reivindicar direitos variados, mas eram a principal mão-de-obra
para trabalhos subalternos.
Com
o termo Racismo se entende, não a descrição da diversidade das raças ou os
grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia física
ou pela biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que
pertence e, principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente
científicos, para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais.
Este uso visa a justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição
contra as raças que se consideram inferiores. (BOBBIO, 2016, p. 1059).
“Tanto
as análises de tipo “cultural-antropológicas” como as abordagens mais
“sociológicas” entendem que a ideologia do “branqueamento” nasceu num momento
de incertezas, no contexto histórico-político da transformação da sociedade
escravista em um novo modelo social, o sistema capitalista. Afirma-se que as
“teorias raciais” clássicas, que ganharam força a partir da segunda metade do
século XIX na Europa e nos EUA, e que condenavam a miscigenação, punham em
xeque a viabilidade do projeto de modernização do país.” (HOFBAUER, 2003, p.68)
Tanto nos Estado Unidos, com a segregação no século XIX, e
a África do Sul, com o regime do Apartheid começando em 1948 (mesmo ano da
promulgação dos Direitos Humanos), tiveram diferentes mobilizações sociais
contra a segregação. A segregação acaba nos Estados Unidos em 1964 e na África
do Sul em 1994.
O
termo apartheid significa "separação" ou "identidade
separada". Serviu para designar o regime político da África do Sul que,
durante décadas, impôs a dominação da minoria branca (ou aristocracia branca)
sobre grupos pertencentes a outras etnias, compostos em sua maioria por negros.
O apartheid não deve ser interpretado como simples "racismo", pois
ele foi um sistema constitucional de segregação racial que abrangeu as esferas
social, econômica e política da nação sul-africana estabelecendo critérios para
diferenciar os grupos. A origem histórica do apartheid é bem antiga e remonta
ao período da colonização da África do Sul. Os primeiros colonizadores bôeres
(também denominados de afrikaner) compunham-se de grupos sociais europeus que
vieram da Holanda, França e Alemanha e se estabeleceram no país nos séculos 17
e 18. Ideologia nacionalista Esses colonizadores dizimaram as populações
autóctones (grupos tribais indígenas) e tomaram suas terras. Os líderes
afrikaners manipularam e converteram um preceito religioso cristão, que a
princípio estabelecia a segregação como uma forma de defender e preservar as
populações tribais da influência dos brancos, em uma ideologia nacionalista que
pregava a desigualdade e separação racial. Os afrikaners se consideravam a
verdadeira e autêntica nação (ou volk, que em alemão significa povo). A cor e
as características raciais determinaram o domínio da população branca sobre os
demais grupos sociais e a imposição de uma estrutura de classe baseada no
trabalho escravo. Política racial Nas regiões dominadas por eles estabeleceu-se
uma política racial que diferenciou os europeus (população branca) dos
africanos (que incluía todos os nativos não-brancos, também conhecidos por
bantus). Até mesmo aqueles grupos sociais compostos por imigrantes asiáticos,
em particular indianos, sofreram com a política de discriminação racial. Seria
engano supor que a expansão do domínio dos afrikaners sobre a população
não-branca da África do Sul oi um processo livre de conflitos. Pelo contrário,
houve muitas guerras com as populações tribais que ofereceram resistência aos
brancos, entre elas as tribos xhosa, zulu e shoto. No início do século 20, a
África do Sul atravessou um intenso processo de modernização que intensificou
os conflitos entre brancos e não-brancos. Não obstante, a minoria branca soube
explorar os conflitos intertribais que afloravam entre os diferentes grupos
étnicos e isso de certo modo facilitou a avanço e domínio dos afrikaners
“Nelson Mandela foi
sentenciado à prisão perpétua em 1964 por seu papel nos protestos antiapartheid
em Shaperville, África do Sul. Mandela era um membro militante do Congresso
Nacional Africano (ANC) criado para combater o apartheid, um sistema
de segregação racial imposto pelo governo dominante branco. [...] Quando o
Partido Nacional foi eleito em 1948, os brancos africâneres implementaram uma
brutal política de apartheid – os negros foram segregados e não podiam votar.
Muitos do movimento antiapartheid defendiam protestos não violentos, o que
ajudou a atrair brancos sul-africanos à sua causa. O apartheid foi condenado
por todo o mundo, e duras sanções internacionais foram impostas.” (O LIVRO DA
HISTÓRIA, 2017, p. 325).
“A
Marcha de Washington de 28 de Agosto de 1963 reuniu quase 250 mil pessoas – a
maioria afro-americanas – na capital do país [Estados Unidos]. Elas
reivindicavam igualdade, fim da segregação racial e acesso a todos os
americanos a uma boa educação, moradia digna e empregos que pagassem um salário
decente. Um dos oradores foi o reverendo dr. Martin Luther King Jr., que havia
sido preso em abril daquele ano nos protestos antissegregação no Alabama. [...]
Depois da Marcha de Washington, o congresso dos EUA aprovou a Lei dos Direitos
Civis em 1964, proibindo a discriminação, e a Lei dos Direitos ao Voto em 1965.
Mais de meio século depois, porém, muitas das metas estabelecidas naqueles dias
ainda estão fora do alcance dos negros americanos.” (O LIVRO DA HISTÓRIA, 2017,
p.311)
A segregação racial é um regime de discriminação e exclusão
social que ocorre baseado em diferenças étnico-raciais e teorias de
hierarquização das raças. Aconteceram regimes como este no século XX em meio as
discussões sobre os direitos humanos e se baseavam em ideias de purismo racial
e não contato entre etnias. Os grupos de etnia branca eram considerados mais
evoluídos e aptos a exercer cargos importantes, enquanto a etnia negra era
discriminada e possuía direitos restringidos. A segregação racial é condenada
pelos Direitos Humanos por
violar princípios de igualdade e liberdade. Sempre existiram diferentes
movimentos contra a segregação, alguns pacíficos e outros não, mas que lutavam
pelas causas de ampliação de direitos e respeitos a todos os grupos sociais.
Referências:
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília:
Universidade de Brasília, 2016.
JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da
linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
O LIVRO DA HISTÓRIA. São Paulo: Globo Livros, 2017.
PYKE, Karen D. What is internalized racial oppression and
why don't we study it? Acknowledging racism's hidden injuries. Sociological
Perspectives, v. 53, n. 4, p. 551-572, 2010.
SPINELLI, Kelly C. Raças humanas não existem como entidades
biológicas, diz geneticista. Jornal UOL, São Paulo, 05/02/2013. Disponível
em: https://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2013/02/05/racas-humanas-nao-existem-como-entidades-biologicas-diz-geneticista.htm
HOFBAUER, Andreas. CONCEITO DE" RAÇA" E O IDEÁRIO
DE" BRANQUEAMENTO" NO SÉCULO XIX. Teoria & Pesquisa:
Revista de Ciência Política, v. 1, n. 42, 2003. Disponível em: http://www.teoriaepesquisa.ufscar.br/index.php/tp/article/view/57/47
THORPE, C. et al. O livro da Sociologia. São
Paulo: GloboLivros, 2016.
Atividade
A segregação racial e o apartheid
1.
O que é a segregação racial?
2.
O que foi o apartheid?
3.
Quem foi o Nelson Mandela?
4.
Qual era a ideologia dos afrikaners e o que eles defendiam?
5.
Segundo o cientista político Bobbio o
que justifica atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que são
consideradas inferiores?
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