O Discurso da Servidão Voluntária
Para falar com conhecimento de causa,
é um extremo infortúnio estar-se sujeito a um senhor, o qual nunca se pode se
certificar de que seja bom, pois sempre está em seu poderio ser mau quando
quiser; e em ter vários senhor, quantos se tiver quantas vezes se é
extremamente infeliz, acreditar que haja algo de público nesse governo onde
tudo é de um.
Como pode se entender como tantos
homens, tantos burgos, tantas cidades, tantas nações suportam quando preferem
tolerá-lo a contradizê-lo. Coisa extra-ordinária por certo ;e porém tão comum que se deve mais
lastimar-se do que espanta-se ao ver um milhão de homens servir miseravelmente,com
o pescoço sob jugo ,não obrigados por uma força maior ,mas de algum modo( ao
que parece)encantados e enfeitiçados apenas pelo nome de um,de quem não se
devem temer o poderio pois ele é só,nem amar as qualidades pois é desumano e
feroz para com eles.
Mas meu Deus que vicio infeliz ver um
numero infinito de pessoas não serem governados, mas tiranizados,não tendo nem
bens,nem parentes ,mulheres nem crianças ,nem sua própria vida que lhes
pertença;aturando os roubos,os deboches ,as crueldades ,não de um exército,de
um campo bárbaro contra o qual seria preciso despender seu sangue e sua vida
futura,mas de um só homem,incapaz de comandar os homens pela força mas acanhado
para servi r vilmente à menor mulherzinha.Então que monstro de vicio é esse que
ainda não merece o título de covardia ,que não encontra um nome feio o
bastante,que a natureza nega-se ter feito,e a se recusa nomear?
No entanto, não é preciso combater
esse único tirano, não é preciso anulá-lo ele se anula por si mesmo, contanto
que o país não consinta a sua servidão; não se deve lhe tirara coisa alguma, e
sim nada lhe dar; não é preciso que o país se esforce a fazer algo para
si,contanto que nada faça contra a si.Portanto é o povo que aceita a sua
servidão,pois cessando de servi estariam livres ou melhor a persegue,perdendo
assim a sua liberdade.a liberdade é algo natural ao homem e para se ter a
liberdade basta desejá-la;podeis se livrar se tentais ,não vos livrar mas
apenas querer fazê-lo.Decidi não mas servir e sereis livres.
Até os animais lutam pela sua
liberdade se cevamos o cavalo desde que nasce para acostumá-lo a servi; e
embora saibamos acariciá-lo tão bem,quando está sendo domado ele morde o
freio,escoiceia contra a espora, como, parece, para mostrar à natureza e assim
ao menos testemunhar que, se serve, não é por sua vontade, mas por nossa
imposição
Há três tipos de tiranos: uns obtêm o
reino por eleição do povo; outros pela força das armas; outros por sucessão de
sua raça. Assim para dizer a verdade, vejo que existe entre eles alguma diferença;
mas escolha nenhuma vejo; pois se diversos são os meios de aos reinados
chegar,quase sempre semelhante é a maneira de reinar.Os eleitos os tratam como
se tivessem pegado touros para domar;os conquistados os consideram presa sua
;os sucessores pensam tratá-los como seus escravos naturais.
É verdade que no inicio serve-se
obrigado e vencido pela força, mas os que vêm depois servem sem pensar e fazem
de bom grado o que seus antecessores haviam feito por imposição.
Os teatros, os jogos, as festas, os
quadros e outras drogas que tais eram para os povos antigos as iscas da servidão,
o preço de sua liberdade, as ferramentas da tirania. Os tiranos antigos tinham
esse meio, essa prática, esse atrativos para adormecer seus súditos sob o
jugo.Assim,achando bonitos esses passatempos ,entretidos por um prazer vão que
passava diante de seus olhos ,os povos abobados acostumavam-se a servir tão
totalmente e até pior do que crianças.O mais prudente e esperto entre eles não
teria largado a tigela de sopa para recobrar a liberdade da república de
Platão.Os tiranos prodigiavam um quarto de trigo,um sestércio;e então dava pena
ouvir gritar:Viva o rei !
É certamente por isso que o tirano
não é amado, nem ama: a amizade é um nome sagrado, é uma coisa santa; ela nunca
se entrega senão entre pessoas de bem e só se deixa apanhar por mútua estima; se
mantém não tanto através de benefícios como através de uma vida boa; o que
torna um amigo seguro do outro é o conhecimento que tem de sua integridade; as
garantias que tem são sua bondade natural, a fé e a constância. Não pode haver
amizade onde está a crueldade, onde está a deslealdade, onde está a injustiça; e
entre os maus,quando se juntam ,há uma conspiração, não uma companhia; eles não
se entre - amam, mas se entre - temem; não são amigos, mas cúmplices.
Aprendamos, pois uma vez, aprendamos a
fazer o bem; levantemos os olhos para o céu ou para a nossa honra e para o
próprio amor da virtude;ou para falar cientemente para o amor e honra de deus
todo –poderoso que é testemunha segura de nossos feitos e juiz de nossas
faltas. De minha parte creio,e não estou enganado, que lá embaixo ele reserva à
parte para o tirano e seus cúmplices alguma pena particular - pois nada ´é mais
contrário a deus,de todo liberal e bonachão,que a tirania.
Referências: O Discurso da Servidão Voluntária. Etienne de La Boétie
(SãoPaulo,Editora Brasiliense,1987,) Pag.11-37.
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