Grito da Seca e Revolta do Busão. Entrevista especial com Tárzia Medeiros
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“Trazer
para a capital do estado do Rio Grande do Norte a manifestação
Grito da Seca foi importante. Conseguimos juntar (...) mais de cinco
mil pessoas. A Revolta do Busão, de forma solidária, se juntou ao
Grito da Seca e participou do ato conosco para pressionar o governo
do estado e o governo federal na busca de alternativas viáveis para
essas comunidades”, avalia a comunicadora popular da Articulação
no Semiárido Brasileiro – ASA.
Confira
a entrevista.
As manifestações de jovens nas redes sociais há dois anos, criticando a gestão da ex-prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), continuam ativas na capital do Rio Grande do Norte. O movimento, que ficou conhecido no Twitter com a #ForaMicarla, hoje chama a atenção com a Revolta do Busão e o Grito da Seca. Cerca de cinco mil pessoas passaram a semana manifestando sua indignação com o aumento do preço das passagens de ônibus, e com as políticas públicas que não geram resultados diante da estiagem que atinge o semiárido brasileiro.
Tárzia Medeiros, comunicadora popular da Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, está acompanhando as manifestações e comenta, em entrevista à IHU On-Line, que, embora os dois movimentos não tenham nenhuma relação, eles decidiram “fazer um ato em comum” para pressionar os governos federal e estadual diante da atual situação do transporte público e dos problemas do semiárido. Segundo ela, as manifestações “estão sofrendo um processo de criminalização tanto da ação truculenta da polícia quanto do aparato da Polícia Federal, do BOPE, do Batalhão de Choque. (...) Sofremos uma violência muito grande porque enfrentamos um dos setores mais poderosos de Natal, o das empresas de ônibus, que fazem um lobby muito grande e financiam a maioria das campanhas eleitorais, principalmente do poder Executivo”.
Tárzia Medeiros é comunicadora popular da ASA.
Confira
a entrevista.
IHU On-Line – O que é a Revolta do Busão?
Tárzia
Medeiros
– A Revolta
do Busão
é um movimento que surgiu há quase dois anos, com um outro
movimento chamado Fora
Micarla,
que denunciou a corrupção na gestão da ex-prefeita de Natal,
Micarla
de Sousa
(PV). À época jovens estudantes e sindicalistas se mobilizaram
visando para pressionar o poder Legislativo para que instalasse uma
comissão especial de inquérito. Eles ocuparam a Câmara dos
Vereadores por onze dias, onde montaram um acampamento chamado
Primavera sem Borboleta, em alusão às manifestações da Primavera
Árabe, e ao símbolo da prefeita (borboleta). Esse movimento ganhou
muita força através de convocações feitas por meio das redes
sociais.
Quando
houve o primeiro aumento das passagens, o movimento Fora
Micarla
mudou
o tema da reivindicação e passou a se chamar
Revolta
do Busão. Fizemos uma pressão muito forte e conseguimos derrubar o
aumento da passagem. Durante a campanha do atual prefeito, Carlos
Eduardo Alves
(PDT),
houve a promessa de que não haveria reajuste no preço das
passagens, mas poucos meses depois de assumir a prefeitura ele
assinou o reajuste do preço.
Vários
estudos de técnicos da área urbana demonstram que o
preço da passagem em Natal, levando em conta a
quilometragem rodada pelos ônibus e o percurso que eles
fazem na cidade, comparando com outras capitais, é um dos
mais caros do país, porque Natal
é
uma cidade com 800 mil habitantes. Em cidades como Recife,
que tem mais de dois milhões de habitantes, a passagem
custa R$2,25. Em Natal, o valor da passagem era R$2,20 e
aumentou para R$2,40. A partir desse aumento a Revolta do
Busão
começou
a se reunir em plenárias, e nos últimos dez dias o
movimento começou a organizar atos e marchas nos quais
cerca de três mil pessoas têm participado.
Ocorre
que as manifestações estão sofrendo um processo de
criminalização tanto da ação truculenta da polícia
quanto do aparato da Polícia Federal, do BOPE, do
Batalhão de Choque. Até estudantes seminaristas de 15
anos foram espancados, presos de forma indevida. Sofremos
uma violência muito grande porque enfrentamos um dos
setores mais poderosos de Natal, o das empresas de ônibus,
que fazem um lobby muito grande e financiam a maioria das
campanhas eleitorais, principalmente do poder Executivo.
IHU On-Line – Qual a situação do transporte público em Natal?
Tárzia Medeiros – Os ônibus são precários e circulam lotados, com pessoas em pé. As empresas não disponibilizam frotas de ônibus para dar conta da demanda. Vivemos numa cidade da região Nordeste em que faz muito calor, os ônibus não têm ar condicionado, e as frotas não são renovadas. Toda a vez em que as empresas aumentam o preço da passagem, prometem que a frota será expandida, que os ônibus terão ar-condicionado, mas nada disso é feito. O poder Executivo nunca exige a contrapartida de as empresas cumprirem com as promessas. Essa também é uma revolta e um dos motivos pelos quais estamos nos organizando. Como a qualidade do transporte público é muito ruim, as pessoas começam a comprar motos e carros para ter alternativas de circular na cidade, e isso tem gerado um caos. Nunca teve engarrafamento em Natal, mas hoje não é possível andar sem ficar 40 minutos parado no trânsito em trechos mais críticos, que levam para a Zona Norte e Zona Sul. Então, a Revolta do Busão não critica somente o aumento da passagem, mas reivindica o passe livre para estudantes, idosos e desempregados, e pela melhoria das condições de transporte.
IHU On-Line – E o que são as manifestações do Grito da Seca?
Tárzia Medeiros – O Grito da Seca vem sendo construído há pelo menos dois meses. Inicialmente, não tinha nenhuma ligação com a Revolta do Busão. Ele coincidiu com o aumento da passagem e aí a juventude foi para as ruas. O Grito da Seca decidiu se juntar com a Revolta do Busão para fazer um ato em comum.
O
Grito
da Seca
foi
construído pelo Fórum
do Campo – FOCAMPO, que congrega várias entidades,
movimentos sociais, que atuam na zona rural com os
movimentos do campo. O MST e a Articulação no Semiárido
Brasileiro – ASA
se
juntaram à manifestação, além de algumas pastorais
sociais, movimentos urbanos, como o Comitê Popular da
Copa. A pauta é reivindicar e questionar as alternativas
que estão sendo apresentadas pelos governos federal e
estadual, e amenizar os impactos da estiagem prolongada da
região semiárida. Algumas alternativas que foram
apontadas fortalecem a lógica da indústria da seca, a
lógica de levar e trazer água através de carros-pipa na
mão das prefeituras do interior. Essas políticas
propiciam o uso político do acesso à água, à terra. A
distribuição de água através de carro-pipa tira a
autonomia das pessoas e vincula a distribuição de água
como se fosse uma obrigatoriedade de vinculação
política. É possível investir em alternativas mais
eficazes para que as famílias e as comunidades rurais
tenham mais autonomia para acessar o seu direito à água.
Trazer
para a capital do estado do Rio Grande do Norte a
manifestação Grito da Seca
foi
importante. Conseguimos juntar, no último dia 21, em
Natal, mais de cinco mil pessoas. A Revolta do Busão, de
forma solidária, se juntou ao Grito da Seca
e
participou do ato conosco para pressionar o governo do
estado e o governo federal na busca de alternativas
viáveis para essas comunidades.
As
pessoas perderam os seus rebanhos e hoje, apesar de a
chuva ter caído um pouco, não consideramos que a
estiagem acabou. Foi uma chuva passageira, que não dá
conta de produzir nada. O plantio de feijão e de milho,
que é a principal cultura da região, ainda precisa de um
período de chuva mais intensa para poder se viabilizar. A
estiagem ainda não passou e a situação das famílias
das comunidades rurais ainda é muito crítica.
O
MST
ocupou
o espaço do centro administrativo na capital, onde está
localizada a governadoria, e ficaram acampados até hoje
(23-05-2013), dia da negociação da pauta com o governo
do estado. Hoje eles levantaram o acampamento e estão
marchando junto com a Revolta do Busão. Novamente devem
passar pela prefeitura, que é onde a Revolta do Busão
deve fazer um protesto para continuar pressionando para
que o valor da passagem volte ao seu preço anterior.
Depois disso vão seguir para outro órgão do governo
federal para poder negociar a pauta.
IHU On-Line – Quais as repercussões dessas manifestações?
Tárzia Medeiros – No dia 21-05, depois da marcha, teve uma audiência com a governadora Rosalba Ciarlini, e o que conseguimos de concreto foi a perfuração de dez poços que o MST já vinha reivindicando há dois anos, e agora o governo assinou a ordem de serviço. A pauta era assistência técnica nas áreas de assentamento e nas comunidades rurais para viabilizar a produção de alimentos, a perfuração de 500 postos em regiões onde a seca está muito grande, e estes poços poderiam servir para retirar a água e encher as cisternas. Essas questões ainda estão no campo das promessas.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Tárzia Medeiros – No dia 21, o juiz federal, Magnus Delgado, proibiu a manifestação de ocupar a BR 101, que é a via de entrada em Natal, e disse que quem obstruísse parcial ou totalmente a BR 101 iria preso em flagrante. Por causa disso, o juiz sofreu uma reprimenda do Ministro do Superior Tribunal, Joaquim Barbosa. Organizar-se, reivindicar e fazer atos são direitos constitucionais. A atitude do juiz é algo que não tem amparo na Constituição.
Esta
atitude do juiz deve servir de alerta, porque nos próximos
meses será aprovada a Lei da Copa, que cria um estado de
exceção no Brasil. Durante a Copa do Mundo
será
proibida qualquer tipo de organização política,
qualquer tipo de organização de marchas e de protestos.
Então, é como se fosse um ato do AI-5, no período da
ditadura. Então, o que aconteceu em Natal
precisa
servir de exemplo para os movimentos sociais de todo o
Brasil.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/520396-grito-da-seca-e-revolta-do-busaomanifestacoes-sociais-em-natal-entrevista-especial-com-tarzia-medeiros
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